quarta-feira, 28 de outubro de 2009

CURIOSIDADE JURÍDICA: TEMÁTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ROMPIMENTO DE NOIVADO

Em nosso ordenamento jurídico, a questão da responsabilidade civil é ampla, abrangendo situações diversas, no intuito de garantir a reparação de eventuais lesões patrimoniais, materiais, morais etc.


Neste diapasão, surge a discussão relacionada ao dever de indenizar pelo nubente que pratica o ato de rompimento injustificado de noivado, ocasionando danos (sejam materiais, sejam morais) ao outro nubente.

A normatização deste direito/dever, segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema, estaria contida na regra geral do artigo 186 do Código Civil, que preceitua: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". E, deste ato ilícito, decorreria o dever de indenizar, de acordo com a previsão do artigo 927 do Código Civil brasileiro, segundo o qual “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Note-se que, apesar do nosso legislador civil não ter previsto especificamente sobre o tema em referência, a doutrina e a jurisprudência de nossos tribunais têm reiteradamente admitido a reparação do dano (moral ou patrimonial), nos casos de quebra unilateral da promessa de casamento sem motivo justo. Para a propositura da competente ação de indenização, é indispensável a concorrência dos seguintes requisitos básicos: a) promessa de casamento (cuja prova poderá ser feita por meio de testemunhas, correspondências trocadas pelos nubentes, convites para o casamento, documentos que demonstrem os preparativos do matrimônio e quaisquer outras provas admitidas em direito); b) ruptura injustificada do casamento; e; c) prova do prejuízo ou do dano causado pelo rompimento imotivado.

É bom que se esclareça, que o rompimento da promessa de casamento, por si só, não constitui motivo suficiente para ensejar qualquer tipo de indenização. Entender de outra forma seria incentivar a criação de uma “indústria do noivado” como meio de obtenção de lucros ou vantagens indevidas.

Para fins de reparação, são levadas em consideração todas as despesas realizadas em razão do noivado ou prejuízos advindos com o seu rompimento. Há de se provar, assim, efetivo prejuízo decorrente do rompimento injustificado do noivado. Como exemplo, podemos citar o caso do nubente que perde a oportunidade de promoção de emprego em virtude da sua recusa em aceitá-la diante da proximidade do casamento. Com efeito, para que haja a reparação do dano material, é preciso que o prejuízo sofrido pela parte tenha acarretado uma diminuição do seu patrimônio.

Finalmente, outro aspecto relevante é o que diz respeito à restituição dos presentes que reciprocamente cada um dos nubentes recebeu do outro durante o noivado. Aliás, a sua devolução pelos noivos encontra-se hoje pacificamente assentado na doutrina e na jurisprudência de nosso Direito.

De qualquer forma, apesar da lacuna existente na lei, nada impede que o juiz julgue o mérito de cada caso concreto, de acordo com a sua livre apreciação e segundo os princípios gerais de direito.

Interessante destacar que os Tribunais pátrios têm entendido que constituem motivos justos para a ruptura do noivado e que, via de consequência, excluem o direito à qualquer indenização: a gravidez da noiva ocasionada por pessoa diversa do noivo; desconhecimento pela futura esposa, de moléstia grave de que o nubente é portador e vice-versa; conduta desonrosa do(a) noivo(a); sevícia e agressão; injúria etc.

Mas, certamente, devemos tomar em consideração que o nubente que decidir por discutir o rompimento de noivado diante do Poder Judiciário, deve, no mínimo, ter um forte aparato probatório do dano sofrido, capaz de demonstrar uma dilapidação patrimonial que justifique acionar a máquina judiciária, para que isto não signifique uma “aventura jurídica”. Caso contrário, estará prolongando uma situação de constrangimento desnecessariamente.

PAGAMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA DURANTE A GRAVIDEZ JÁ É LEI!

Entrou em vigor no dia 06 de novembro de 2008, uma nova lei de alimentos, a Lei nº 11.804/08, que busca disciplinar o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido, objetivando preencher uma triste lacuna ora existente no Direito de Família contemporâneo. Os alimentos gravídicos podem ser compreendidos como aqueles devidos ao nascituro, e, percebidos pela gestante, ao longo da gravidez. Sintetizando, tais alimentos abrangem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. Assim, entende-se que o rol não é exaustivo, pois pode o juiz pode considerar outras despesas pertinentes.


Com esta previsão legal, as gestantes garantem para si o pagamento de pensão alimentícia pelo pai de seu filho de pensão alimentícia, de forma a assegurar o adimplemento dos gastos oriundas da gravidez.

Após o nascimento da criança, os valores serão convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.

De acordo com o texto de autoria do ex-senador Rodolpho Tourinho, a pensão alimentícia deverá cobrir despesas adicionais do período de gravidez ou dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial. Os valores também serão destinados a assistência médica e psicológica, a exames complementares, a internações, ao parto, a medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas consideradas indispensáveis no entender do médico, além de outras que o juiz julgar pertinentes.

Os alimentos previstos no texto da lei referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

Os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu. Havendo dúvidas quanto à paternidade, será realizado exame pericial e, caso o resultado seja negativo, a autora responderá por danos materiais e morais.

A meta era inserir em lei uma prática que já vem sendo concedida, via judicial, a muitas mulheres, ou seja, a pensão de alimentos durante a gravidez. Na maioria dos casos, no entanto, as futuras mães só contavam, até hoje, com a participação financeira do pai após o nascimento da criança.

Em conclusão, invoca-se palavras de Jurandir Freire Costa, ao considerar que "para que possamos restituir à família a legitima dignidade que, historicamente, lhe foi outorgada, é preciso colocar em perspectiva seus impasses, procurando reforçar o que ela tem de melhor e vencer a inércia do que ela tem de pior". Espera-se que Lei de Alimentos Gravídicos vença os impasses outrora vividos diante da lacuna que existia em nosso ordenamento jurídico, e reforce as garantias e o melhor interesse do menor e da gestante.

INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SPC/SERASA E O DEVER DE INDENIZAR

Os sistemas de restrição ao crédito, inadequadamente chamados de órgãos de proteção ao crédito, tais como SPC, SERASA e CADIN, têm se posicionado quase diariamente na mira do Poder Judiciário.




Considerados entes de caráter público, ainda que mantidos pela iniciativa privada, tais sistemas estão regulados pelo Código de Defesa do Consumidor, que exige: a) objetividade e veracidade nas informações, que devem ser escritas em linguagem de fácil compreensão, não podendo haver informações negativas referentes a período superior a 5 (cinco) anos; b) comunicação por escrito ao consumidor, quando a abertura de cadastro ou banco de dados não for solicitada por ele; e c) correção imediata e comunicação, no prazo de cinco dias úteis, aos eventuais destinatários das informações, de quaisquer inexatidões em dados ou cadastros, se o consumidor requerer.



Por outro lado, firme e assentada é a jurisprudência do STJ no sentido de sustar a inscrição do nome do consumidor em sistemas de restrição ao crédito, até que ocorra o trânsito em julgado em processo judicial onde se discuta a existência ou o montante do débito alegado (neste sentido: Resp 161.151-SC, Resp 180.665-PE, Resp 186.214-MG e Resp 223.724-SP, dentre outros precedentes).



Tais normas, entretanto, são frequentemente ignoradas, obrigando o consumidor a buscar a proteção do seu direito em juízo, o que poderá se realizar em dois planos distintos: num primeiro momento, será preciso requerer uma tutela de urgência, que determine o cancelamento imediato da inscrição no cadastro ou banco de dados; já num segundo momento, o consumidor buscará o ressarcimento ou a indenização pelo dano sofrido.



A inscrição indevida ou incorreta do consumidor no cadastro ou banco de dados do sistema de restrição ao crédito deverá ser cancelada liminarmente, por meio de tutela cautelar ou, mais adequadamente, de tutela antecipada dos efeitos práticos da sentença de mérito.



Por ser quase impossível impedir a formação de um cadastro ou banco de dados exclusivamente para uso interno, deve o juiz deixar expressa a proibição da divulgação de qualquer dado do consumidor a terceiros, fixando uma multa, para a hipótese de sua decisão não ser cumprida.



Ademais, por sentença, deverá o credor ser condenado a pagar soma em dinheiro ao consumidor, em face do dano causado pelo abalo em sua credibilidade, ainda que não haja repercussão patrimonial imediata, pois a simples restrição indevida ou incorreta ao crédito constitui dano moral, indenizável mesmo que não se faça presente o dano material, conforme preceito constitucional em vigor.



Todavia, enquanto a apuração do valor ressarcitório, no dano material, decorrerá da soma dos valores dos danos emergentes e dos lucros cessantes, o estabelecimento do quantum indenizatório, para o dano moral, não encontra um parâmetro seguro na jurisprudência, cabendo ao juiz fixá-lo prudentemente, conforme as circunstâncias do caso, especialmente a capacidade econômica do ofensor (credor).

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Revisão de Contratos de Financiamento

Inúmeras pessoas, com o intuito de adquirir bens de consumo – e de sonho –, se vêem seduzidas pelas propostas de financiamentos apresentadas por agentes financeiros e acabam aderindo a contratos que, em sua grande maioria, possui caráter abusivo contra os consumidores, com taxas exorbitantes de juros remuneratórios, métodos de amortização de débitos e encargos moratórios.
Assim, o que era a realização de um sonho, acaba se transformando na concretização de um pesadelo. Curioso que se destaque que a grande parcela dos consumidores que se vê prejudicada por estas práticas comerciais abusivas é aquela voltada para a aquisição de financiamento de veículos automotores (carros, caminhões e motocicletas), pois que os contratos específicos de concessão de crédito para aquisição destes bens permitem, por sua natureza, parcelamentos prolongados, juros prefixados e prestações fixas, com uma falsa aparência de facilidade, mas que embutem a adoção de práticas abusivas, como a incidência de juros sobre juros (capitalização), além de encargos moratórios cumulados.
Não é raro verificarmos situações em que o indivíduo contrata o parcelamento de um veículo no importe, por exemplo, de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e, ao final, acaba arcando com praticamente o dobro do valor.
Sabe-se que a maioria dos contratos de consumo é de “adesão”, onde o banco ou financeira já possui um contrato padrão previamente elaborado, cabendo ao consumidor apenas aceitá-lo em bloco sem discussão, seja em face da sua vulnerabilidade técnica, seja em face da falta de alternativa. Sabe-se, ainda, que os contratos de financiamento de veículo com cláusula de alienação fiduciária, em regra, são realizados com o sistema de amortização francês (Tabela Price), onde cada prestação mensal é calculada de maneira que parte pague os juros e parte amortize o saldo devedor da dívida principal, de forma que, ao ser paga a última prestação, seja quitado o saldo devedor.
Entretanto, como os juros são calculados por ocasião do pagamento de cada parcela, sempre incidindo sobre o saldo devedor e embutidos em cada prestação, a cada período mensal, constitui-se uma aplicação sobre o saldo devedor – como se fosse um novo capital – criando-se uma verdadeira bola de neve, o que é expressamente vedado pela Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, pela Lei de Usura e pelo Código Civil Brasileiro.
Aliás, os Tribunais pátrios já se posicionaram, asseverando o entendimento de que os juros legais e moratórios sobre obrigações inadimplidas, depois da vigência do Código Civil de 2002, é a de 1% (um por cento) ao mês, excluída a aplicação da taxa SELIC, mesmo que momentaneamente estipulada abaixo desse patamar.
Com relação aos juros convencionais, o limite tem sido regulado pelo dos juros legais, uma vez que o Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, ainda em vigor, estabelece: “Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. n. 1.062)”. De outro lado, permitir taxas de juros no patamar do dobro da taxa legal, considerando a estabilidade da economia brasileira e as baixas taxas de inflação, seria coadunar com o entendimento de que o capital se transfira da esfera produtiva para a especulativa, tornando mais interessante auferir juros do capital do que investir e produzir, contrariando a função social do instituto de mútuo bancário, bem como indo de encontro aos objetivos constitucionais de "garantir o desenvolvimento nacional" (art. 3°, II, CF) e "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3°, III, CF).
Esta prática tem permitido, por fim, que os bancos apresentem lucros cada vez maiores, disputando recordes de lucratividade e subvertendo a lógica de uma economia que urge desenvolver-se e permitir que a República alcance seu objetivo: “construir uma sociedade livre, justa e solidária,” conforme previsto no artigo 3º, I, da Constituição Federal.
Aliado a esses encargos remuneratórios, outras abusividades são encontradas nessas espécies de contratos, como a cumulação indevida de comissão de permanência, juros de mora e multa por inadimplência, o que enseja a revisão do contrato para o afastamento dessas ilegalidades, visando resguardar os direitos dos consumidores que se vêem lesados por essas práticas manifestamente abusivas, que buscam através do Judiciário a revisão de seus contratos para a exclusão de tais condições contratuais abusivas.

Da Inversão do Ônus da Prova em Direito do Consumidor

Conceitualmente, no âmbito do Direito Consumerista, a inversão do ônus da prova é uma facilitação dos direitos do consumidor e se justifica como uma norma dentre tantas outras previstas no Código de Defesa do Consumidor para garantir o equilíbrio da relação de consumo em face da reconhecida vulnerabilidade do consumidor.


O ônus de provar, por si só, é uma questão que desperta a atenção dos juristas quando da sua aplicação prática e, quando se trata de sua inversão, diversos pontos de divergência surgem.

Inicialmente, destacamos que o ônus da prova não pode ser visto como uma obrigação, mas uma necessidade. Quando se fala que o ônus da prova incumbe a quem alega, se quer dizer que a parte tem a possibilidade de agir conforme o comando jurídico para conseguir que sua pretensão seja atendida. Isto é, como ela tem o interesse de que seja reconhecida a verdade dos fatos que alegou, logo é sua incumbência provar suas afirmações.

A obrigação apresenta aspecto diferente, não é uma faculdade, mas uma imposição de um comportamento e não cumpri-lo gera um ilícito jurídico. O nosso código processual vigente, em seu artigo 333, distribui o ônus da prova pela posição processual em que a parte se encontra. Ao autor compete provar o fato constitutivo do direito que afirma possuir. E ao réu, apenas, se aduzir em sua defesa fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pelo autor.

A distribuição do ônus da prova, entretanto, não está ligada tão somente aos interesses das partes de verem reconhecidos os fatos que alegaram como fundamento da ação ou da exceção, mas também se destinam à formação do convencimento do magistrado.

Assim, o princípio que norteia o procedimento probatório é o princípio da iniciativa das partes, visto que a indicação das provas é ato de iniciativa das partes interessadas na demonstração da verdade dos fatos articulados nos autos. No entanto, esta iniciativa não é exclusiva, pois concomitantemente se aplicam os princípios da autoridade e o da iniciativa oficial. O primeiro confere ao juiz o comando do processo (art. 125, CPC), que, por conseguinte é quem dirige a instrução probatória. O segundo se encontra em vários dispositivos do Código de Processo que prevêem o impulso oficial em diversas situações.

O que não se pode perder de vista é que regra é que as provas sejam propostas pelas partes. A iniciativa oficial deve ocorrer, apenas, quando necessária, e na maioria das vezes de forma supletiva, uma vez que o magistrado não pode com a iniciativa oficial querer suprir a iniciativa das partes.

Caso o juiz ordene, de ofício, a produção de prova, deve em seu despacho justificar tal ato, indicando os motivos que o levaram a essa determinação. Isto porque, o juiz na direção do processo deve ser imparcial e garantir a igualdade de tratamento às partes. Pois, a cada prova produzida por uma das partes, cabe a parte contraria ser ouvida dando-lhe a oportunidade de contestar a prova.

Outro ponto a se destacar é que o ônus da prova é regra de julgamento, já é aplicado no momento da decisão da demanda. Assim, o juiz pode se valer para proferir um provimento equânime e legítimo dessas regras no caso de incerteza. Visto que, como consequência de não ter a parte cumprido o ônus que lhe foi incumbido poderá ela ver sua pretensão jurídica negada.

Ocorre que o Código de Defesa do Consumidor hão de ser observadas particularidades. Os dispositivos processuais do Código de Processo Civil que se aplicam ao autor e ao réu, notadamente os pontos que assegurem o cumprimento da garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório, são aplicáveis na tutela jurídica da relação de consumo.

É certo que, os dois pólos da relação de consumo (consumidor/fornecedor) são compostos por partes desiguais em ordem técnica e econômica, visto que o fornecedor possui, via de regra, a técnica da produção que vai de acordo com seus interesses e o poder econômico superior ao consumidor. A vulnerabilidade do consumidor é patente, e a sua proteção como uma garantia é uma conseqüência da evolução jurídica pela qual passamos.

Neste ponto, a inversão do ônus da prova vem melhor equilibrar essa relação, sendo um direito conferido ao consumidor para facilitar sua defesa no processo civil e somente neste. A aplicação deste direito fica a critério do juiz quando for verossímil a alegação do consumidor, ou quando este for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência (artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor).

A regra do ônus da prova insculpida no Código de Processo Civil é rígida. Contudo, o juiz pode aplicar a inversão do ônus da prova em favor do consumidor desde que preenchidos um dos requisitos esposados no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor com o objetivo de equilibrar a relação processual.

Assim, se o magistrado constatar que estão presentes um dos requisitos para a inversão do ônus da prova, após verificar segundo as regras de experiência que as alegações do autor são verossímeis ou que o consumidor é hipossuficiente inverterá o ônus da prova em favor do consumidor. A inversão do ônus da prova como uma modalidade de facilitação da defesa dos direitos do consumidor somente deve ser admitida quando um dos seus requisitos forem satisfeitos, ou seja, a verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência do consumidor.

Aqui, abordaremos o ponto de maior divergência doutrinária acerca da aplicação da inversão do ônus da prova: em que momento ela se dará?

WATANABE considera que “(...) somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, estará o juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de no ‘liquet’, sendo caso ou não, consequentemente, de inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissível”.

Observe-se que o ilustre doutrinador, por seu posicionamento, não vislumbra nenhuma ofensa ao princípio da ampla defesa e ao final endossa que “(...) no despacho saneador ou em outro momento que preceda a fase instrutória da causa, o magistrado deixe advertido às partes que a regra de inversão do ônus da prova poderá, eventualmente, ser aplicada no momento do julgamento final da ação. Com semelhante providência ficará definitivamente afastada a possibilidade de alegação de cerceamento de defesa”.

Há o entendimento doutrinário contrário. JOÃO BATISTA DE ALMEIDA entende que o momento para o deferimento da inversão deverá ocorrer entre a propositura da ação e o despacho saneador, sob pena de prejuízo para a defesa do réu.

RIZATTO observa que a polêmica em torno do momento processual para aplicação da regra da inversão do ônus da prova se dá em razão da falta de rigorismo lógico e teleológico do sistema processual instaurado pelo Código de Defesa do Consumidor. E se opõe ao entendimento de que o momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova é no julgamento da causa, afirmando que esse pensamento está alinhado com a distribuição legal do ônus da prova que é uma regra que exprime certeza (artigo 333, do Código de Processo Civil). O processo fora da relação de consumo não exige que o juiz faça qualquer declaração a respeito da distribuição do gravame. Basta levá-lo em consideração no momento de julgar a demanda. Não existe surpresa para as partes quanto a quem compete a produção da prova. Já a lei consumerista não expressa essa certeza, uma vez que a inversão prevista no artigo 6º, inciso VIII não é automática, posto que fica à critério do juiz quando for verossímil a alegação ou se for hipossuficiente o consumidor

Portanto, é preciso que o juiz se manifeste para se saber se o elemento verossimilhança está presente ou se a hipossuficiência do consumidor, conforme o caso concreto, foi reconhecida. Conclui aquele autor que “(...) o momento processual mais adequado para a decisão sobre da inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o saneador. Na maior parte dos casos a fase processual posterior à contestação e na qual se prepara a fase instrutória, indo até o saneador, ou neste, será o melhor momento”.

Já VOLTAIRE DE LIMA MORAES não concorda que a inversão seja decretada “ab initio”, quando o juiz analisa a petição inicial, pois sequer houve manifestação do demandado, não podendo precisar a dimensão da sua resposta, muito menos os pontos controvertidos. Acreditando ser imatura a decretação da inversão nessa fase do procedimento. Não concorda, também, com a decretação no momento da prolação da sentença, pois não vê a inversão processual como regra de julgamento. A inversão envolve questão incidente a ser efetivamente resolvida por ocasião da fase instrutória, sob pena de não se permitir ao fornecedor que se desincumba desse ônus que lhe foi judicialmente imposto, com prejuízo, inclusive para o exercício da ampla defesa, concluindo que “(...) o momento adequado para a decretação da inversão do ônus da prova dar-se-á por ocasião do saneamento do processo, quando, inexistosa a audiência de conciliação, o Juiz tiver fixado os pontos controvertidos, aí sim, em seguimento, decidirá as questões processuais pendentes, dentre as quais o cabimento ou não da inversão do ônus da prova (art. 331, § 2º, do CPC), ficando dessa forma cientes as partes da postura processual que passarão a adotar, não podendo alegar terem sido surpreendidas, especialmente aquela que recebeu o encargo de provar”.

Nossa opinião, salvo melhor juízo, se coaduna com a tese de que o momento processual mais adequado é entre a propositura da ação e o despacho saneador, preferencialmente, no próprio despacho saneador, posto que não existirá um elemento supresa para as partes, já que estarão cientes através do pronunciamento do juiz a quem compete o ônus da prova.

A providência de se advertir que no momento do julgamento da ação as regras de inversão do ônus da prova podem ser aplicadas não afasta o cerceamento de defesa.

O instituto processual da inversão serve para facilitar a defesa do consumidor e por conseqüência onerar a defesa do fornecedor. Este último tem o direito de saber, já que não existe uma certeza legal, se a incumbência do ônus da prova é sua, ou não, antes que se proceda a instrução e julgamento do processo, caracterizando-se a inversão do ônus da prova muito mais como matéria de instrução do que como técnica de julgamento, haja vista que a apreciação da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do consumidor não implicam num prejulgamento da lide já que a verossimilhança é aparência da verdade, não exigindo a certeza da verdade, enquanto que a hipossuficiência é examinada através da capacidade técnica e informativa do consumidor, de suas deficiências neste campo para litigar com o fornecedor que por sua condição é detentor das técnicas.

Logo, a determinação prévia estabelecerá tão somente que o réu tem o ônus de desconstituir a aparente verdade, ou a constatação da hipossuficiência técnica do consumidor, pois a prova de uma das excludentes de responsabilidade pela reparação de danos terá que fazê-la independente de inversão.



Referências bibliográficas:



WATANABE, Kazuo, Anotações de palestra proferida no XXI Encontro Nacional de Defesa do Consumidor, ocorrido em João Pessoa/PB, em 21.06.01.

ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2a ed., São Paulo: Saraiva, 2000.

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Direito Material (arts. 1a a 54), São Paulo: Saraiva, 2000.

CARVALHO, Micheline Maria de. A Inversão do Ônus da Prova no Direito Consumidor, “in” www.datavenia.net, publicado em dezembro de 2001, acesso em 08/10/2009.

FERRAZ, Luiz Carlos. Momento processual da inversão do ônus da prova. Jus Navigandi, Teresina, “in” http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2160>, acesso em 08/10/2009.

DALLASTA, Viviane Ceolin. Momento processual para a inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor, Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS. Disponível em: http://www.ufsm.br/direito/artigos/consumidor/inversao-prova-cdc.htm, acesso em 08/10/2009.